Organizadores: João Fragoso e Maria de Fátima Gouvêa.
Civilização Brasileira, 2014. 586 pp.
Lido entre 11 e 14/1/2015.
Comentários: Composto por ensaios de alguns dos mais
importantes historiadores contemporâneos, o livro é um importante "prestar de contas" da situação da pesquisa histórica sobre as primeiras décadas do Brasil. É
interessante para o leigo ter conhecimento de que muitos dos aspectos
consagrados da historiografia nacional hoje são fortemente contestados pela
pesquisa contemporânea. O tema talvez que mais perpassa todo o livro é sobre o
status administrativo do Brasil-colônia e a tese antiga de Caio Prado Jr. é
posta a prova, sobretudo no artigo de Antônio Manuel Hespanha e José Manuel
Subtil, os autores, longe de verem um sistema de dominação hierárquica no
Antigo Regime Português, vêem a monarquia do período como uma monarquia onde o
rei não exercia exatamente um poder absoluto, mas reinava uma República (era
esse o nome dado à época) em que havia uma existência múltipla de poderes e
direitos, quase sempre ligados à classe social e à função econômica do grupo. Na expressão consagrada: monarquia corporativa polissinodal, mostrando o que poder era compartilhado pelas diversas corporações e funcionava em consultas a cada um desses elementos.
O livro
também busca dar destaque a outros grupos sociais menos favorecidos pela
historiografia tradicional, com importantes capítulos a respeito dos índios e
sobretudo dos negros. As informações dadas a respeito do tráfico negreiro são
muito relevantes e, pelo menos para mim, bem pouco conhecidas. Em resumo, o
tráfico negreiro colonial, ainda que baseado em práticas antigas e centenárias
presentes na África transmutou completamente a dinâmica social dessas
sociedades, direcionando-as completamente para essa atividade comercial. O
efeito no continente foi devastador.
Marca-se aqui a intensa trama de relações entre europeus e indígenas,
entre povos europeus (sobretudo franceses e portugueses) e de todos com os negros
adventícios. Há muitas informações interessantes, sobretudo sobre as atividades
dos jesuítas no país e a contínua adaptação do indígena à vida na colônia,
marcada por períodos de violência, mas também por uma crescente assimilação –
ainda que nem sempre totalmente unívoca, como o curioso fenômeno da santidade
que é descrito no livro.
Há muitas
qualidades no livro, mas há também problemas importantes nessa série. O
primeiro é que a busca por novos caminhos historiográficos de certa forma
eclipsou a corrente histórica geral. Infelizmente esse volume não deve ser
visto como um substituto do primeiro volume da História Geral da Civilização Brasileira, organizado por Sérgio
Buarque de Holanda, uma vez que praticamente todos os grandes eventos
históricos do nosso primeiro século – como o descobrimento, a constituição das
capitanias hereditárias e a guerra dos tamoios no Rio de Janeiro, ou nem sequer
são mencionados ou são tratados de maneira muito tópica, certamente um fruto do
enfoque pós-moderno e não totalizante da atualidade. Embora o livro traga
muitas informações relevantes, a seu fim resta uma estranha sensação de
incompletude.